Café com fraude
A gigante do café Master Blenders, dona do Café Pilão, descobriu uma fraude milionária na operação brasileira. A cúpula da empresa caiu — e esse deve ser só o começo
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A operação brasileira de café é a maior da empresa no mundo, com faturamento de 1,5 bilhão de reais, ou 21% da receita global. Marcas como Pilão, Palheta e Café do Ponto fazem da Master Blenders a líder do mercado nacional. E o Brasil é o maior produtor mundial de café e segundo mercado consumidor do produto.
Mas Maurino logo percebeu que, por trás dessa força toda, algo parecia errado. Ante o que ele julgou serem indícios de manipulação de resultados, ele solicitou uma auditoria à PricewaterhouseCoopers. A suspeita chamou a atenção da matriz, que despachou para o Brasil sua cúpula em julho.
Em 1º de agosto, a empresa divulgou um comunicado informando a descoberta de problemas de contabilidade na operação brasileira, que, somados, resultam em perdas de 85 milhões a 95 milhões de euros (de 212 milhões a 237 milhões de reais). Dizia ainda que os balanços financeiros dos últimos três anos e meio seriam revisados.
A informação fez com que as ações da Master Blenders, que havia passado a negociá-las em Amsterdã apenas três semanas antes, desvalorizassem 7% no dia seguinte. “Em questão de minutos perdemos quase 500 milhões de euros (cerca de 1,2 bilhão de reais)”, afirma Errol Keyner, vice-diretor da Associação Holandesa de Acionistas.
Segundo EXAME apurou, a suposta fraude custou o emprego do presidente brasileiro, Dantes Hurtado, do antigo diretor financeiro e do segundo executivo de finanças, demitidos na primeira semana de setembro. Procurada, a Master Blenders não deu entrevista nem confirmou as demissões.
A Master Blenders contratou em julho a auditoria Ernst & Young e a empresa de investigação americana Kroll. O que aconteceu? Sabe-se até agora que a maior parte do problema estava no departamento de vendas. Para cumprir as metas de crescimento estabelecidas pela matriz e garantir seus bônus anuais, alguns executivos teriam registrado uma série de pedidos de varejistas por conta própria, sem que eles fossem oficialmente realizados — uma prática conhecida como “antecipação de venda”.
Ao final, o varejista até aceitava a compra, mas só pagava quando desejava de fato recebê-la, o que poderia levar meses. Na contabilidade da empresa, no entanto, constava o valor integral da venda. Outro malabarismo acontecia na relação com os grandes varejistas e atacadistas.
Para convencê-los a fazer novos pedidos, mesmo quando seus estoques estavam cheios, a equipe da Master Blenders aumentava em até 50% a verba promocional paga à rede. Esse tipo de verba é usado para inclusão de seus produtos em tabloides ou para garantir uma posição privilegiada na gôndola, uma prática comum no mercado.
Ocorre que, em alguns meses, a Master Blenders não teria lançado no balanço o pagamento dessa verba como despesa, mas como “contas a receber” — por exemplo, vendia 1 milhão de reais para um varejista, mas ele pagava apenas 800 000 reais porque cobrava 200 000 reais de verba promocional. Como o dinheiro nunca voltava, isso virou uma bola de neve no balanço.
Para uma empresa do tamanho da Master Blenders, que fatura o equivalente a 7 bilhões de reais, um erro de 200 milhões de reais nas contas não chega a ser uma catástrofe — segundo dados da consultoria KPMG, empresas brasileiras e americanas perdem o equivalente a 5% do PIB em fraudes a cada ano. O maior problema está na crise de confiança que esse tipo de notícia gera.
Do balanço apresentado aos investidores na época da venda das ações, o lucro dos últimos três anos e meio ficou 37 milhões de euros menor. Por causa da revisão das informações, a associação de investidores holandeses passou a exigir uma compensação da companhia e de quem assinou seu prospecto de entrada na bolsa — no caso, a auditoria Price e o banco ABN Amro.
Oficialmente, a Master Blenders afirma que “a investigação interna já foi praticamente concluída e não revelou novas descobertas ou impactos financeiros adicionais” na operação brasileira. Mas a investigação iniciada por Ernst & Young e Kroll, que começou em julho, está programada para terminar em outubro. Ou seja, mais detalhes podem ser revelados — e não se descarta que novas perdas tenham de ser contabilizadas no balanço da empresa que é líder em vendas de café no país.
https://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1024/noticias/cafe-com-fraude?page=2