Mercado de Renda Variavel
Icaro de Carvalho
Sempre comento com as pessoas que aqueles que desejam operar no mercado de renda variável parecem ter saído de um molde. Quase todo mundo é igual: Jovens, do sexo masculino, imperativos e se acham mais esperto do que realmente o são - não que eu seja muito esperto, também.
Noves fora as observações no que se refere a personalidade, todo trader, independente de que época tenha começado ou de como tenha conhecido o mercado, viverá uma evolução em sua forma de operar. Começará com aqueles SETUP's simples, montados geralmente com uma única coordenada, unilateral e direta: "Compre quando uma média cruzar e venda quando descruzarem". Como ele não possui ainda desenvolvido em sua personalidade a rigidez de escolha a que pede um bom manejo de risco, irá perder dinheiro em consolidações e irá cessar os grandes lucros em tendência, saindo antes da hora; resultado? Se verá negativo.
Após algum tempo nessa corrida, ele começará a incrementar o seu SETUP com outras ferramentas que tem como compromisso "encurtarem as perdas". Os seus STOP's serão diminuídos e ele passará a operar tempos gráficos menores, afim de tomar menos prejuízo quando estiver errado. Ele aumentará drasticamente o seu volume de trading e acabará percebendo que ainda continua negativo e que a causa disso é o excesso de movimentação. Que está saindo em alvos de 1.000 com apenas cem, graças ao excesso de proteções que adicionou ao seu modo de negociar.
Ele então partirá pra um novo balanço em seu modelo especulativo; passará a pegar grandes tendências. Utilizará suavizadores - como Heiken Ashi, Renko e outras bandas de suavização - e buscará pernadas enormes. Perceberá - da pior maneira, no bolso - que bastarão dois movimentos bruscos ou uma consolidação de dois dias para entregar o lucro que pegou nessas grandes pernadas. Que um GAP ou uma vela contrária enorme o machucará tanto que o fará jogar fora todos esses suavizadores.
Isso é normal. Todos tem que passar por isso. Se sobreviver até aqui, você poderá experimentar uma nova fase na sua vida, coisa que 1 em cada 100 chega a provar: A solidão.
Dizem que o especulador é solitário por natureza; mentira. O noviço é recheado de amigos, comunidades, fóruns, professores, mestres, instrutores. O especulador regular, este sim, é absolutamente solitário. Se juntam em poucos, rareados, não mais do que meia dúzia, para operarem aos picados, tentando espantar o silêncio na sala de negociação. O operador regular sempre estará sozinho.
O mercado grita, nunca esqueçam disso. O mercado grita coletivamente; uma multidão se desespera, enfurece-se, gostam e desgostam de tudo a toda semana. Você estará sempre do lado oposto. Você passa a não fazer mais parte desses caras que operam rompimento com STOP abaixo do fundo, que esperam o MACD cruzar, os preços recuarem e confirmarem em fibbonacis ou entrar em zona "sobrevendida" do IFR para comprar. Você quer vender na euforia, perto da exaustão, quer bater aquela venda perto do topo deixado no dólar recentemente. Enquanto todos gritavam: "Dólar a 2.90!" você vai lá, solitário, caminhando, sem pressa, e boleta a sua ordem. A chancela em uma máquina, em uma fila vazia, empoeirada, enquanto que a fila da compra está abarrotada de gente, que se empoleira e estapeia para pegar a sua ordem. Eles acreditam em um novo patamar. Eles acreditam que o mundo acabará. Que a bolsa irá a 19 mil pontos e que o dólar chegará a 5.80. Você já vai ter visto isso tantas vezes que não se deixará mais levar por esse tipo de crença.
Enquanto Petrobrás rasgava novas mínimas, buscava aquele indecoroso 13.60, as pessoas atiravam-nas contra os guichês de venda como se não houvesse amanhã. "Eu não quero essa droga!" - eles diziam. Empoleirados, mais uma vez, ocupavam uma fila quilométrica a espera da perda do fundo para operarem rompimento, mais uma vez. Ali, novamente, você e mais seis ou sete, esperavam na fila da compra. Estava tão vazia que dava pena. Mais uma vez, chancelada a ordem de compra, ocorriam brigas para saber quem seria o sortudo a vender a descoberto para você, nesse que seria o maior trade do século. O facebook, infomoney, fóruns e corretoras bombavam o final do mundo. Havia gente falando em quebra da petroleira, que logo mais custaria 1.00. Que seguiria o futuro da OGX. Novamente, os hormônios.
Não é fácil seguir esse caminho, sabe? A primeira vez que eu avistei alguém fazendo isso foi o Maurício Bellinelo. Eu olhava ele negociar e falava: "Não é possível. Vá pra puta que o pariu". Os preços estavam lá, beijando a máxima, estourando quase que um novo topo histórico. Todos estavam apostando no rompimento, em uma nova máxima, em um novo axioma econômico, em uma nova economia e ordem mundial, dai ele ia e tacava a venda. Não satisfeito, esperava até o preço quase máximo, pondo o estope tão curto quanto poderia parecer ridículo, logo acima. E, estava lá. Havendo a manutenção, estava na posição do milênio - mas, me surpreendia como toda semana havia uma nova posição do milênio. Se estopasse? Era tão curto que não mexia nos nervos.
Você briga contra você mesmo quando está fazendo isso, sabe? Está indo contra a maioria, contra todos os analistas de AT, contra todas as recomendações das corretoras, da Exame, da Infomoney, do Valor, dos vizinhos, dos fóruns, dos face-traders; e deve ser justamente por isso que acaba dando certo. Quando a operação vira você está a um único centímetro atrás de uma parede de vidro financeira tão grande que respira tranquilo, mesmo sabendo que é um único centímetro que o separa daquela multidão esformeada que, pisoteando uns aos outros, gritam: "Rompe, rompe, rompe!" - e não rompe. E mantém. Eles então caem, como que em um elevador, e você permanece ali em cima, posicionado, sozinho, observando.
Mas, da mesma forma com que é difícil no começo - estar sozinho e ter a coragem e frieza de executar trades dessa forma - logo mais você se acostuma. Se acostuma a comprar dias antes das pessoas começarem a falar em compra. Estopa mais. Sai mais, mas paga muito menos estope. Se acostuma em começar a zerar sua compras antes das pessoa começarem a fazer as compras delas e, muitas vezes, estar vendendo enquanto alguns ainda estão comprando.
Você passa a existir como se operasse um mercado absolutamente diferente dos demais, sempre contra a maioria, sempre fazendo o oposto, sempre operando diferente; e, quando encontra alguém que faz o mesmo, sente-se feliz, o chama para perto e pergunta: "Cara, como é que todo mundo não enxerga que assim é bem melhor". Pois é. Até hoje eu não sei.
A bolsa atrai todo tipo de gente que quer vida fácil. A AT é a personificação da vida fácil. Não é preciso ter feito, conquistado, realizado, entendido ou produzido ABSOLUTAMENTE NADA para se considerar um grafista. Tenho vontade de vomitar quando ouço ou leio alguém falando: "Eu sou GRAFISTA PURO. Não olho book, notícia, correlações, nada. Só opero rompimento e tendência". Pois sei que esse cara faz isso justamente porque é preguiçoso e indulgente. Mas, como a grande maioria segue as mesmas pontes, essa acaba sendo a posição majoritária dos que operam AT.
É por isso que eu não gosto de expressões como TRADER, SETUP, GRAFISTA, ANALISTA TÉCNICO. É por isso que eu não gosto de estar posicionado junto com a maioria. Ao final de tudo, acabei me acostumando a estar sempre sozinho. Eu e os cinco ou seis parceiros de sempre.