Os artistas da fraude

18/08/2012 20:19

 

Da Bolha dos Mares do Sul a Bernard Madoff, a história dos últimos 300 séculos do dinheiro mostra que nenhuma vigarice é realmente inédita.

Por Cláudio GRADILONE

Isto e Dinheiro

 

Sir Isaac Newton disse em 1720: “Consigo prever os movimentos dos corpos celestes, mas não as loucuras dos seres humanos.” Não foi uma declaração de humildade. Então diretor da Casa da Moeda britânica, um amargurado Newton referia-se ao prejuízo de vários milhares de libras que tivera com a queda das ações da South Sea Company, o primeiro esquema deliberado para lesar investidores que a História registra. O caso criou um padrão que se tornaria clássico. A companhia foi criada pelo pouco conhecido escrivão John Blunt, em 1711, para explorar o comércio entre a Inglaterra e as colônias espanholas da América do Sul. Blunt captou milhões de libras vendendo ações a investidores ávidos pelos dividendos gordos que anunciava. 

 
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“Invista 100 libras agora e receba 100 libras todos os anos”, dizia Blunt, ao disparar uma campanha de divulgação que não excluiu nem a Igreja Anglicana – os clérigos abençoavam, fervorosamente, tanto a South Sea quanto seus diretores nos sermões dominicais. Autoridades como Newton, vários ministros e o próprio rei George I (1714-1727) foram brindados com participações na empresa a preços camaradas, uma antecipação longínqua das opções de ações. E todos levaram um chapéu do escroque. No fim do verão de 1720, as cotações atingiram o pico de 1.050 libras. Milhares de incautos com dinheiro para apostar congestionavam as apertadas tabernas da Exchange Alley, onde os negócios eram fechados. 
 
No começo do outono, porém, alguns cautelosos investidores suíços resolveram colocar os lucros no bolso. Foi o primeiro sinal de desconfiança com relação a uma companhia mercante que possuía apenas um navio e praticamente não tinha faturamento. No inverno, os preços desabaram para 160 libras. A South Sea faliria poucos meses depois, levando consigo muitas outras empresas criadas nos mesmos moldes.Guardadas as devidas diferenças, há muitos pontos em comum entre a fraude de 1720 e o escândalo do gestor de fundos Bernard Madoff, que quebrou fantasticamente em 2008, lesando seus clientes em estimados US$ 18 bilhões. Madoff teve uma origem humilde. Cultivou, desde cedo, um bom relacionamento com as autoridades e, nos anos 1980, chegou a ser consultado pela Securities and Exchange Commission (SEC), o xerife do mercado americano, para opinar sobre a regulamentação dos fundos. 
 
Essa proximidade, e o fato de ele entregar retornos consistentes de 15% a 20% ao ano durante décadas, fez com que abonados de todas as latitudes, brasileiros inclusive, fizessem fila em seu escritório no coração financeiro de Nova York. Todos tinham em comum ambição e a certeza de que eram mais espertos do que os outros. “Todo fraudador joga com a cobiça e com o desconhecimento dos investidores”, disse à DINHEIRO o economista finlandês Kari Nars, autor de Golpes bilionários (Ed. Gutemberg, 216 páginas, R$ 34,90), recém-lançado no Brasil. Diretor do Banco Central da Finlândia e do Ministério das Finanças, além de ser conselheiro de empresas e bancos na Europa, Nars traça um padrão bem consistente dos arquitetos de pirâmides.
 
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Sem exceção, são bons de conversa e desprovidos de escrúpulos. Carlo Ponzi, um vigarista italiano que, nos anos 1920, lesaria milhões de conterrâneos que haviam imigrado para os Estados Unidos, foi preso por 14 anos. Ao sair do xilindró, em 1934, sua primeira atividade foi procurar um editor para vender, a peso de ouro, a autobiografia em que aparecia como vítima das autoridades americanas. Madoff vendeu blocos de sua pirâmide a amigos de muitas décadas, sem o menor constrangimento ou remorso. Os fraudadores tomam cuidado na hora de procurar clientes. Madoff evitava cuidadosamente captar dinheiro de outros profissionais do mercado financeiro e não queria nenhum jornalista entre a seleta freguesia. Também caprichava em não aparecer. 
 
Obrigava os investidores a assinar acordos de confidencialidade para não falar sobre os fundos. A busca do segredo não é nova. Em 1925, o checo Victor Lustig exigiu sigilo absoluto dos seis comerciantes parisienses a quem ofereceu um grande lote de ferro velho – nada menos que a Torre Eiffel. Mais tarde, Lustig mostraria sangue- frio ao tentar lesar até o gângster Al Capone, de quem obteve US$ 50 mil para multiplicar na bolsa. Ao perceber que não teria sucesso, o escroque foi prudente o suficiente para, com lágrimas nos olhos, devolver o dinheiro. Um comovido Capone brindaria Lustig com US$ 5 mil, como prêmio pela honestidade. A profissão de picareta exige talento para o teatro.
 
No início do século 19, o soldado inglês Gregor MacGregor se apresentava primeiramente como general, depois como presidente da República de Poyais. Localizado na América do Sul, Poyais era um Eldorado para os arrojados que lá investissem. Quem acreditou e zarpou de Londres descobriu, do outro lado do Atlântico, que o país simplesmente não existia. Alguns dos incautos morreram durante a viagem, o que não desestimulou MacGregor de tentar repetir o feito na Escócia e terminar seus dias sossegadamente em Caracas, como cidadão venezuelano. Como MacGregor, Madoff era profissional nos disfarces. Seu escritório ocupava três andares. Nos dois primeiros funcionava uma atividade “normal” de gestão de recursos. 
 
No terceiro, ao qual pouquíssimas pessoas tinham acesso, funcionava a pirâmide. O dinheiro começou a ser usado regularmente por volta do ano 5000 a.C. e as fraudes apareceram quase que ao mesmo tempo. Desde então, diz Nars, o procedimento para evitá-las não mudou. O investidor deve desconfiar de qualquer esquema secreto que pareça bom demais para ser verdade. “Uma boa precaução é perguntar como o candidato a fraudador consegue ganhar dinheiro e submeter essa estratégia a outros profissionais de mercado”, diz. Nars cita a advertência do investidor britânico John Templeton (1912-2008). “As quatro palavras mais perigosas para quem investe são ‘desta vez é diferente’.”
 
 
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